Prefácio
O primeiro Colóquio Nacional de Filosofia na Idade Média e suas extensões na Modernidade ocorrido em agosto de 2018, na Universidade Federal do Cariri (UFCA), Juazeiro do Norte – Ceará, foi organizado e realizado com a colaboração de vários órgãos de pesquisa dessa Universidade: O Núcleo de Estudos agostinianos e Filosofia na Idade Média, NEAFI – CNPq; Núcleo de Estudos do Pensamento Antigo e Medieval – NEPAM – CNPq e o GT – ANPOF Agostinho de Hipona e o Pensamento tardo-antigo, os quais somaram esforços com o objetivo de reunir pesquisadores no campo de estudos agostinianos e medievais de várias regiões do Brasil para trocar experiências acadêmicas e compartilhar suas produções mais recentes. O tema proposto para o Colóquio, Saber, Verdade e Poder, tem sua relevância no sentido de suscitar o amplo debate sobre problemas filosóficos antigos que surgiram desde a tradição filosófica grega, mas receberam novas configurações na Idade Média, por meio da articulação fides et ratio. O tema da verdade perpassa não apenas questões epistemológicas, mas também questões de natureza deontológica e na filosofia medieval tem suas imbricações no ideal de sabedoria. Na perspectiva dos padres da Igreja, a verdade é uma descoberta da razão, nunca um produto dela, com efeito, a sabedoria chega a seu termo quando aprende a verdade. Nesses termos, verdade e saber se relacionam no próprio itinerário da razão para Deus, obtendo como base a noção de ordem e hierarquia ontológica, as quais permitem ascender a essência da verdade considerada como Bem Supremo.
Diante do exposto torna-se comum a opinião entre os historiadores da filosofia, que os Pensadores Medievais ocupem um lugar de destaque na História da Filosofia, evidentemente pela pretensão em formular amplos problemas filosóficos-teológicos a respeito da natureza humana, a liberdade, a verdade, o saber e o poder. Podemos destacar grande quantidade de autores, desde Santo Agostinho (354-430) a Nicolau de Cusa (1401-1464), os quais devem ser considerados autores incontornáveis na compreensão da forma mentis do Ocidente, visto que as suas obras estabelecem pontes entre o legado da Antiguidade e o Medievo, de um modo criativo e original.
Os temas da sabedoria e da verdade foram assimilados por estes autores. Buscaram compreendê-los à luz da fé e razão e auxiliados pela doutrina neoplatônica das ideias, refletidos no modelo estritamente cristão. Torna-se interessante frisar que Santo Agostinho, a princípio, não escreve sequer um tratado sobre a verdade, mas o insere no debate acadêmico latino, expresso amplamente no Livro II do Diálogo sobre o livre arbítrio, onde instiga à luz da filosofia a refletir sobre a relação sabedoria e verdade no itinerário da vida feliz. Santo Anselmo escreve especificamente um tratado sobre a verdade, o De veritate, no qual expressa a sua doutrina em que versa a identidade entre veritas e rectitudo. Para Anselmo, a verdade de uma coisa não se esgota numa apropriação ou relação de tipo lógico ou epistemológico. Ou seja, no De veritate, pressupõe que haja um modelo de racionalidade onde possa ultrapassar o campo de ação mais amplo do que o da mera operação do conhecer, esse campo ele denomina de ético.
No medievo concentra-se um fecundo florescimento intelectual, desde Agostinho, século V, ao surgimento da Escolástica. A cultura deixa de ser patrimônio das abadias e o ensino tende a organizar-se nas universidades, embora ainda sob o domínio eclesiástico. Este período representa o auge das disputas filosóficas na Idade Média onde alcança a consciência do seu problema fundamental diante de seus adversários: o de compreender e justificar a fé pela razão. Anselmo de Aosta, tendo como ponto de partida Santo Agostinho, representa a primeira grande afirmação da investigação na Idade Média no confronto entre fé e razão dentro da universidade medieval.
Com efeito, nesse fundo, para alguns considerado tenebroso e obscuro da história, que organizamos a matéria de nosso colóquio. Em tempos hodiernos onde nos deparamos com as estruturas valorativas de um pensamento débil, trazer à reflexão temas então relativizados pela modernidade, pode significar um grande esforço de nossa parte. Mas, a compilação de resumos neste caderno representa sobretudo o crescente interesse pela filosofia medieval, resultante da fecundidade gerada no debate filosófico sobre Saber e Verdade e sua relação com o Poder.
Nilo César Batista da Silva
Universidade Federal do Cariri – UFCA, Agosto de 2018.